quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Mas, um samaritano (...) passou junto dele e, vendo-o...

“Por coincidência, descia pelo mesmo caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante. Do mesmo modo, um levita que vinha por aquele lugar, viu-o e passou adiante. Mas um samaritano, que ia de viagem, passou junto dele e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão”. (Lc 10, 31 – 33) 

Quando lemos este texto bíblico, não há como não reproduzirmos mentalmente a cena, e percebermos a disparidade que há entre o comportamento do sacerdote e do levita, homens de Deus, e o comportamento do samaritano, pertencente a um povo malquisto pelos judeus. 

Saint-Exupéry em seu mais célebre livro, “O Pequeno Príncipe” nos diz que “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”. 

Na parábola do bom samaritano, o verbo ver aparece três vezes, porém, a última vez que aparece tem um significado mais completo. Ver é o único verbo que não exprime movimento físico, mas contém, dentro do contexto da parábola, uma infinidade de movimentos interiores e exteriores, vindos do coração. 

A visão é a primeira comunicação que exercemos. Ela é imediata. O comércio compreendeu muito bem isto. Observem as propagandas nos dias de hoje, que possuem muito mais imagens e cada vez menos textos escritos, gerando muitas vezes o que chamamos de poluição visual. Quando vocês foram acertados pela flecha do cúpido, quando conheceram aquele (a) que hoje é o (a) seu (sua) cônjuge, o olhar foi a primeira fonte de comunicação, da qual decorreu todas as outras: o toque, a conversa, a escuta etc. 

Jesus Cristo tinha com certeza uma força que emanava do seu olhar! Seus olhos deviam possuir uma força de atração extraordinária, quase magnética. Os pescadores do mar da Galileia deixaram tudo e foram com ele. Também as multidões ficam encantadas. Jesus se comunicava com o seu olhar! São conhecidos os três olhares de Jesus na Bíblia: o primeiro dirigido ao jovem rico, o segundo dirigido a Judas e o terceiro a Simão Pedro. 

PRIMEIRO OLHAR (Mc 10, 17 – 22) : O Jovem rico pergunta a Jesus o que é necessário para possuir a vida eterna. Satisfeito com a conclusão a que chegou, a partir do que conversara com Jesus, uma vez que seguia fielmente todos os mandamentos da lei, é surpreendido pelo acréscimo de Jesus, após um olhar de amor, dizendo que lhe falta somente vender tudo, dar aos pobres e segui-lo. O olhar de Jesus é um convite a segui-lo a partir de uma nova postura de vida. 

SEGUNDO OLHAR: Judas, apóstolo de Jesus que o traiu. Jesus preso no horto, traído por um beijo e preso nos pátios do sinédrio e no Palácio de Pilatos, viu e foi visto por Judas (Mt 26, 47 – 54; 27, 3 – 9; Lc 22, 47 – 53). O olhar de Jesus e o olhar para Jesus resultaram em desespero, a ponto de o amigo de antes não conseguir dar o passo de confiança na misericórdia infinita. Recebeu muito, comprometeu-se à custa de um dinheiro sujo, corrompeu-se e não conseguiu voltar atrás. 

TERCEIRO OLHAR: Pedro é o destinatário do terceiro olhar de Jesus, quando depois de negá-lo três vezes, é visto por Jesus e o galo canta três vezes, ao que Pedro vê cumprir aquilo que Jesus predissera, de que ala o negaria por três vezes, antes que o galo cantasse. (Lc 22, 54 – 62) 

Os três olhares de Jesus: o primeiro de amor, o segundo e o terceiro de tristeza e decepção, são intensos e verdadeiros. Diante do olhar de amor de Jesus, o jovem rico se foi; diante do olhar de tristeza e decepção de Jesus, Judas se desesperou e Pedro preferiu fazer o caminho de conversão. 

O sacerdote, o levita e o samaritano viram o homem meio morto caído no meio do caminho. Mas por que somente o samaritano o ajudou? O verbo ver tem as suas raízes na língua sânscrita e significa não somente ver com os olhos, mas distinguir, discernir e depois saber, entender no sentido não somente do conhecimento, mas também do discernimento. 

O samaritano consegue ver porque não coloca barreiras racionais ao seu pensamento. Barreiras estas que talvez tenham feito o sacerdote e o levita se desviarem. O samaritano consegue ver com os olhos do coração porque é capaz de acolher o imprevisto. Aproxima-se porque aquela coisa nova aconteceu, um homem meio morto no seu caminho, ao que ele não desvia o olhar para o outro lado, mas se faz presente na realidade do momento. 

Aquele pobre homem que se encontra meio morto no meio do caminho, é visto pelo sacerdote e pelo levita como um obstáculo a ser evitado e um contratempo para os seus projetos, enquanto para o samaritano é uma oportunidade para investir na humanidade e na vida. Nós podemos ver as realidades de várias formas diferentes e, portanto, ter uma resposta diferente para cada realidade vista e com isto estabelecer as relações mais diversas conforme o nosso modo de ver. Jesus conhece apenas uma forma: ver e amar! 

O samaritano faz aquilo que o sacerdote e o levita não foram capazes de fazer: ele ama. Não ama somente com os sentimentos, ama com toda uma série de gestos concretos: vê o homem, tem compaixão, aproxima-se, enfaixa as feridas, derrama óleo, derrama vinho, carrega-o sobre o jumento até a hospedaria etc. O samaritano é o Cristo que vê o homem, vê cada homem na sua realidade de vida, o ama, nos ama e cuida de nós. 

O bom samaritano viu o homem ferido e meio morto e se aproxima, isto é, faz dele o seu próximo. E por que se aproxima de alguém que sofre? Porque ele também sofreu! O sofrimento muitas vezes nos faz olhar as pessoas com outros olhos! 

Enquanto casais cristãos, somos convidados a vermos além das aparências, enxergar com outros olhos, com olhos de amor, de acolhida de reconhecimento! O que os olhos físicos contemplam e gostam, um dia passa! A beleza que agrada aos olhos físicos é passageira! É preciso nos concentrarmos no que enxerga os olhos do coração! Não podemos ver e enxergar somente os defeitos e nem somente as qualidades do nosso cônjuge. 

O olhar que nós teremos de Jesus, quando chegarmos na plenitude dos tempos, será baseado no modo como enxergamos o nosso cônjuge e o nosso próximo em geral! Não se esqueçam de que vocês são próximos de seus cônjuges e que o amor verdadeiro é a fonte de salvação! 

PARA SER VISTO EM CASAL: 

- Quanto tempo faz que não vejo plenamente o meu cônjuge? Qual é o olhar mais frequente na minha vida para com o(a) meu (minha) parceiro(a)? O olhar de sacerdote? O olhar de levita? Ou o olhar de Samaritano? 

- Se a Plenitude dos Tempos acontecesse hoje, qual seria o olhar de Jesus para mim? O do homem rico, o de Judas ou o de Pedro? 

- Sou sensível às realidades que ferem a dignidade do matrimônio e do amor entre homem e mulher? 


Pe. Samuel Alves Cruz, sds
SCE Equipe 7B - Jundiaí/SP

*Texto usado no Retiro Anual das ENS Jundiaí (14 a 16 de Setembro de 2012)

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