quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Encheu-se de compaixão...

Vamos conversar um pouco sobre a reação do Samaritano ao ver o homem sem identidade que jazia meio morto no meio do caminho. Não quer dizer que o sacerdote e o levita também não tenham se sensibilizado com a situação daquele infeliz, porém, estes estavam cegos por causa do apego exagerado à lei. 

A expressão original no texto da parábola é um verbo grego que fala de dor profunda. Não é só uma compaixão moral ou espiritual, mas uma dor física, visceral. É o mesmo verbo que corresponde ao sentimento que acompanha Jesus nos textos evangélicos que narram a sensibilidade d´Ele diante dos sofrimentos e necessidades humanas. É o desprendimento interior de quem carrega a dor externa e a faz sua. 

Ter compaixão, desde antes da época de Jesus significa “sentir junto”; “sofrer com”. É bom sentir “por” alguém , o que faz parte da compaixão. Porém, se não superar tal estágio, fica simplesmente resumido no paternalismo e condescendência. É preciso sentir com as pessoas, respeitando como elas se sentem e como veem as coisas. Para nós cristãos, a compaixão é um convite para entrarmos na dor e na vida do outro, sentirmos as suas dores, a fim de que tamanha experiência possa nos levar a sairmos de tal situação, libertando também o nosso irmão. Para nos libertarmos é preciso sentirmos na pele. O samaritano viu o homem caído na estrada e encheu-se de compaixão. Isto significa literalmente que as suas entranhas foram tocadas, ficou comovido no âmago do seu ser. 

A compaixão que vem de Deus, exige de nós algumas mudanças interiores. A primeira delas é que vejamos as pessoas enquanto seres humanos como nós, ao mesmo tempo que as vemos diferentes de nós, como fruto de uma experiência única que nunca atingiremos a totalidade do conhecimento. É preciso dar espaço para que os nossos irmãos sejam eles próprios. Sentir misericórdia não é tomar as dores do outro e senti-las sozinho. O sofrimento do outro deve provocar a disposição para a mudança e em muitos aspectos depende da adesão e da atitude daqueles que são destinatários de nossa compaixão. Em outras palavras, ser misericordioso não constitui sinônimo de paternalista. O samaritano aproxima-se mas também deixa o homem ferido na estalagem para continuar a sua própria vida. 

A compaixão exige de nós um movimento de sensibilidade para enxergarmos, mas também de permissão para nos deixarmos enxergar. Jesus nos enxerga, mas também se deixa ver, se deixa encontrar por quem o procura. A verdadeira compaixão significa que olhamos para as pessoas com amor, mas também nos deixamos ver. Se apenas olhamos, pode ser que estejamos reivindicando alguma superioridade. A compaixão/misericórdia nos faz iguais, sem superioridade mas sem rebaixar-se. Em outras palavras, para ajudarmos alguém, não basta mostrarmos que somos melhores ou que temos algo mais que falta ao outro. Para ajudarmos, precisamos nos mostrar iguais. Assim como fez o Deus Salvador, que para nos salvar se fez um de nós! 

No famoso quadro do pintor Rembrandt, conhecido como o retorno do filho pródigo, Deus Pai, alí representado pelo pai misericordioso está envolto em um manto vermelho. O vermelho é a cor da paixão. Filosoficamente falando, paixão é uma influência de uma afecção má. O pintor quer retratar o Deus que se permite “rebaixar-se” à condição das mazelas humanas, porque nos ama, é um Deus apaixonado pelo ser humano. A encarnação é justamente este “movimento para baixo” que Deus faz, porque ama o ser humano e quer resgatá-lo do fundo do poço. E tal resgate não é possível apenas mostrando o caminho certo a ser seguido. É necessário descer até as profundezas do nevoeiro das limitações e necessidades humanas e sentir com, para que o ser humano seja plenamente resgatado! No quadro referido acima, a túnica dourada representa a força renovadora da misericórdia/ compaixão de Deus! 

Deus se rebaixa, se arrisca, se desinstala porque, antes de tudo, ama! Tais atitudes percebemos também no samaritano de nossa parábola. O seu amor/compaixão o faz rebaixar à condição daquele homem meio morto, arriscando a própria vida, e tendo a coragem de mudar os seus planos (desinstalando-se). O amor é muitas vezes algo imprevisível. Ele perturba os meticulosos planos que fazemos para as nossas vidas. Se amamos, temos também que aceitar que poderemos em alguns momentos, perdermos o controle sobre as nossas vidas, porque não temos como saber antecipadamente o que o amor vai nos pedir. Hoje vemos que a nossa sociedade se vê assustada com esta imprevisibilidade do amor, atemorizada pelo medo de correr riscos. 

E nós enquanto casal. Será que nos permitimos usar de misericórdia e compaixão para com o nosso cônjuge, sem medo de também nos mostrarmos quem realmente somos, por dentro e por fora? Tenho coragem de me arriscar profundamente por amor? Me deixo ser ajudado pelo outro, ao mesmo tempo em que sou sensível para com as dores e necessidades do meu parceiro(a)? 

Que Deus nos abençoe e ilumine nesta Odisseia que é a vida – o palco para o exercício da misericórdia/compaixão 



Pe. Samuel Alves Cruz, sds
SCE Equipe 7B - Jundiaí/SP

*Texto usado no Retiro Anual das ENS Jundiaí (14 a 16 de Setembro de 2012)

Nenhum comentário:

Postar um comentário